28 de outubro de 2014

No eu macrobiótico,
No eu atômico,
Me diz, alma poluída,
Se é de ti que me vem esse hálito de esperança
Que me faz saltar e cair, de quando em quando.
Ou se esse amor pelo mundo e seus dizeres,
E a tentativa de afogar-me em sua saliva
De cair em ti sobre meus joelhos
Não passa de mais um pequeno
Pedaço solto de desespero.

Me diz, alma poluída,
Se é de ti que me vem esse tremelique luminoso
Que me afrouxa as pernas de vez em quando,
Que me convence a beber meu sangue venenoso,
Que me faz saltar e cair, e não sair voando.
Ou se esse amor pelo mundo e seus dizeres,
Puro e ineficiente
É beber tranquilo teus prazeres.

(2009)
E a sarjeta grita grita e grita meu nome, que noites aquelas! Que dias aqueles! Dia após dia ele esperaria que suas lágrimas desaguassem num poço brilhante em frente aos seus pés. Noite após noite ele esperaria um corpo nu descer o morro em frente a sua casa com promessas de incenso e mácula. Essa pessoa desceria sorrindo, nua, mais nua do que qualquer pessoa já ficou, translúcida, branca, e não diria nada, apenas entregaria um coração seco, e então ele perceberia tudo sobre as próprias lágrimas. Elas escorrem para dentro, encharcando o coração (percebeu isso no momento em que o coração seco foi-lhe ofertado) afogando e depois diluindo todos os desejos. Com um coração seco e limpo nas mãos, mas com um coração úmido se despedaçando dentro. Impossível se dar a chance de escolher um, visto que o de dentro é o que preenche seus vazios, mas mesmo assim ele em toda sua bondade oferece o lindo coração desértico para ser colocado ao lado do encharcado.
Que noites aquelas! Que dias aqueles! tudo encharcado dentro e fora, tudo pingando em tudo. Comunhão. E meu corpo, em vibração alterada, alterando tudo. Um véu, o véu da inocência, do desejo e do esquecimento. O véu que pus no mundo em alguma época da minha vida perto dos 10 anos de idade e desde então: Desejo, Inocência & Esquecimento.

24 de outubro de 2014

Já beijei a lata sem tocá-la, já aspirei esporos venenosos de flores raríssimas, já corri sobre o musgo igual ao da minha pele e mesmo assim tudo me tonteia, cada movimento das coisas do mundo. Com a cabeça baixa e querendo que a abaixasse ainda mais, atravessando a terra, quilômetros pedra adentro até o calor e quietude uterinos  não merecidos. Pétalas vermelhas no chão, e pétalas vermelhas atravessando o ar até o chão, onde em meses se tornariam tão terra quanto a terra em que repousam caladas. Segura a cabeça, meu irmão, não a deixe no chão. Então, uma ideia: Vou chorar e pedaços dissolvidos de mim nas lágrimas atravessarão o ar, as raízes e então a terra. E assim faço até que venham me acudir, pois incomodo. Outro lugar, sem pétalas, sem terra e sem raízes, mas com pedaços de mim caindo no chão. Não só no chão, não só nesse momento, por toda a cidade minhas penas devem deslizar por entre as pessoas, penas brancas, de asas. Sem arestas, sem linhas que delimitem um lugar do outro, uma pessoa da outra, uma pena da outra. Minha cabeça nunca funcionou bem, eu penso, e por isso vou abraçar alguém até a morte, até o fim das penas. Mas elas são infinitas, pois são sagradas, e sagrado e infinito eu sou, mesmo que me desmanche. Porco e louco, mesmo que sob a bênção do grande velho, mesmo que eterno, mesmo que indissolúvel, inescrupuloso, impetuoso, colérico.
E pensar que eu andava e andava e andava até os pés doerem, em círculos, indo e voltando noite adentro e depois noite afora, choroso, extático como nunca voltaria a ser. Só me deixa mais macio e mais doce. Não quero doçura, nunca quis, tenho medo de doçura assim como tinha medo do que via nas paredes, o corpo inundado de venenos, a alma se engolindo. Sombras esguias, animais estranhos pelo chão, alguns com a face igual à minha. Tinha medo de dormir em camas porque no sono tranquilo poderia deixar escapar uma parte de mim que me era essencial e secreta, uma semente profunda que fosse rasgando a carte até brotar na pele, cair no chão e ser comida por um daqueles animais, mas eles não o fariam por mal, eles são bons, embora injustos e burros, embora sujos e impetuosos. Anos antes, que medo eu tinha de pôr coisas à minha volta! Já enchia os bolsos de papéis, desprendimento e pontas de lápis, mas nunca de sonhos. Foi disso que eles se alimentaram, nasceram e cresceram dessa falta, desse tremelicar febril, foi disso que os bichos cresceram e comeram as pontas de lápis e os papéis, as notas e tudo que com suor acumulei. Eram coisas muito minhas, embora sem importância. E num gesto de desespero coloquei nos bolsos coisas que não eram minhas, coisas de outros mundos, outras terras, outros corações (corações mais vermelhos que o meu), algo de que de imediato me arrependi. De coisas outras estava cheio, de mentiras, cheio, de ser meu próprio algoz, cheio. Então sem parto descambou em mim a maior das tempestades, tudo voava e molhava, as penas, inclusive. Eu me alimentava da água da tormenta, me nutria dos destroços que roubava do vento. Coisas minhas. Coisas outras. Lambi cada gota da tormenta, foi tudo pra dentro e se juntou com que já estava dentro. Desde então, quando abro a boca sai chuva e saem insetos, saem minhas penas e os bichos que me juraram fidelidade. De vez em quando um bicho roça sua cauda ou bico em meus pés, e uma pena se desprende de mim, mas não sem dor, pois essas penas só saem quando a cabeça está abaixada e submersa em angústia. Só assim o choro é. Só assim os bichos são. Só assim eu sou e a tempestade é. Só assim para meter as mãos nos bolsos e saber que o que toco é verdadeiramente meu.
Um homem deitado na cama, os olhos fixos em um ponto invisível no teto, os pés frios e os olhos quentes,
 um gosto de agonia na boca. Sem sono, e ainda cedo, o tédio e as idéias loucas (conhecidas de perto) o guiaram forçadamente por um caminho de doces delírios.
Cochilos, bocejos e desejos e o forçaram a  fazer o que contradizia os pensamentos: O fizeram responder à perguntas o doíam a cabeça.

 A primeira pergunta que o machucava e que decidiu procurar alguma resposta ou verdade foi bem simples,
mas que pelo seu estado se tornava incrivelmente difícil. "Quem eu sou?"
Depois de um tempo divagando sobre amigos, família, momentos de prazer, lanches noturnos e músicas
melancólicas, chegou a uma resposta mais ou menos verdadeira. Não descobriu quem é, mas descobriu como se sentia e

m relação às outras pessoas. Ficou orgulhoso.

 Sentia-se diferente, deslocado, se sentia, fraco, anormal e inútil, mas não sabia o porque.

  No passado, tão distante quanto outra vida, se lembrava do quanto era feliz e despreocupado,
lembrava de quando as pessoas o adoravam por ele ser somente ele, e lembrava de seus pensamentos simples
 e loucos, borboleteando e fazendo cócegas em sua cabeça. Foi como se seu mundo o digerisse vagarosamente,
 como se aos poucos, pequenos momentos de confusão, loucura e humanidade, o houvessem transformado em alguém
completamente diferente.
Hoje não resta mais nenhum pedaço do que foi um dia. Hoje caminha com o olhar assustado e os passos
rápidos, hoje evita conversar com os amigos para que eles não descubram em que se transformou.
Seus dias, antes engraçados e certos, hoje são cheios de ambiguidades e curvas.

 Agora sentado na cama, tremendo, com a cabeça entre as mãos, chora por não ser mais quem ele queria ser
, chora por não conseguir ser como os gigantes à sua volta, De repente, um sorriso. Não um aqueles sorrisos
 insanos que nós damos quando estamos tristes, para que a dor seja ainda mais forte, mas um sorriso de orgulho e prazer.

 De uma coisa o homem tem certeza, possui uma característica que ninguém mais tem. um dom dado por algum
 dos seus deuses mais íntimos e protetores. Nada comparado à telecinese ou a soltar raios pelos olhos,
mas esse dom o havia dado emoções estranhíssimas algumas vezes. Possui o poder de atribuir o máximo
sentido ás coisas mais banais e desimportantes que observava. um elogio, por exemplo, não era simplesmente
 um elogio, o elogio entrava pelos seus ouvidos e inundava a sua cabeça com um líquido adocicado, um elogio o mantinha
feliz por dias, e tinha o poder de curar feridas profundas.
Mas o contrário também acontece, as vezes, um olhar de lado ou uma risada irônica o fazem entrar em
um estado de choque, de repente, de um sábio e inteligente jovem, se transforma em uma pessoa nojenta e sem um mínimo
de humanidade que o faça ser digno de pena.

 E assim ele vive, entre sorrisos irônicos, elogios e sensações, sem saber o que o espera na próxima curva, sem saber
 ao certo quem é e quem deseja ser, sem saber sobre o mundo em que foi arremessado. Sem nenhuma capacidade de se equilibrar e dando um sentido inexistente a cada mínimo movimento de humanidade, o homem procura pedaços de si mesmo em tudo o que faz, procura moléculas dispersas em cada gesto, em cada passo, em cada abraço.

23 de setembro de 2008

Para:

Aquele que é um animal selvagem que não sabe que é selvagem e que fica me cercando pra sempre, sem nunca dar o ataque mortal.
Aquela que que sabe que é parecida comigo -eu também sei- mas ficamos os dois parados boquiabertos, assustados, congelados de medo um do outro. Em breve os dois vão se chatear e bocejar e vão voltar a viver.
Aquela que tinha uma sincronia linda comigo, que era cuidada por mim e que não tinha(tem) como cuidar de mim, mas mesmo assim oferecia ajuda, mesmo que isso doesse. A sincronia acabou, o trem saiu dos trilhos, a gente não sabe mais como tocar um no outro, talvez eu tenha sido muito escasso.
Aquela com a qual foi tudo muito bem, e muito bem acabou, sem feridas pra ninguém, mulherzinha medrosa, rapazinho cego.
Aquele que eu coloquei no espaço vago onde deveria estar meu ponto de referência. ele está tão longe de mim(pra cima) que nem deve conseguir me ver. Já tentei gritar "Ei, eu quero ser igual a você!" mas de tão longe ele não ouviu nada.
Aquela que me tratava como um bezerro desmamado, a mulherzinha gostosa sugou minha força e me fez crer nisso, não foi problema mandar ela ir pro inferno.
Aquela que desligou todos os meus órgãos e só deixou o que era parecido com ela, mulherzinha lindíssima, mas muito comum por fazer isso.
Aqueles tantos que passam rápido por mim, correndo supersônicos, elétricos bichos enormes e fortes, correndo, eu, que nem sou dessa espécie, só observo taquicárdico e de queixo pra baixo, um bichinho insignificante no meio da manada de bichos excelentes. Porra, como eles conseguem ser naturalmente tão grandes e eu com tanto esforço e estafa consigo ser quase nada, quase-isso?
Às vezes eu percebo que desde sempre há uma planta morta queimando dentro do meu peito, mas sem dor, sem grito e sem um gesto desarranjado de carinho em minha direção, porém o calor, juntamente com as duas poças, uma de cada lado do meu corpo, que viajam quilômetros pelos primeiros vincos do rosto, atraem bichos raríssimos que lambem meus dedos e bebem das poças, e eu aspiro seu hálito sagrado. De repente eu sou bicho também, mas bicho ferido, morrendo, delicadíssimo, lindíssimo, puríssimo.
Quando essas flores que desabrocham entre meu pelos começaram a brotar? Elas pesam. Eu peso e os outros bichos, alguns vergonhosamente nem tão bichos assim, se arrastam pelo chão. Se arrastam. "Você se arrasta" foi que eu disse, trêmulo, naquela noite. Disse pra ele para que ele dissesse pra mim. E para tornar a afirmação mais verdadeira, lembrei que até aquela noite já me avisa arrastado milhas, léguas, con-ti-nen-tes . Mas eu era lindo. Até então eu era um bicho que visitava solene as pessoas que me amavam e lambia seus dedos e bebia de suas poças e me aquecia em cada fogo. Delicadíssimo. Lindíssimo. Puríssimo. E agora me extingui? minguei? Fugi para outras terras, atravessando rodovias sem ter meu corpo estraçalhado? A planta morta no meu peito ainda queima e lança no ar brasas vermelhas que iluminam do alto o que um dia fui eu antes de ser bicho.
Um movimento, um único movimento, talvez de mãos, pegar alguma coisa do bolso, segurar a caneta entre o indicador e o polegar. Após esse movimento as cortinas cairiam e confete atravessaria o ar do teto ao chão, e então palmas. "Parabéns! Você conseguiu!", e a partir dali uma vida de verdade e sem angústia, uma vida feliz. Uma vez ela me disse "tenha paciência, um dia sem perceber e sem aviso você desabrochará numa flor maravilhosa".
Um movimento, apenas um movimento ou quem sabe meia dúzia de palavras, "ama-te", escrito na mesa suja. E então as pedras erguidas equilibrando-se com delicadeza cairiam, desabariam quilômetros céu abaixo. Pedras que são minha parca contribuição para o parto do eu Maduro & Equilibrado, Decente & Sensato, essas pedras formariam meu alicerce, me fariam dizer "bom dia" sem esperar um tapa. E como distinguir, ao fazer um movimento, o gozo da ruína, e se eu, ao tentar iniciar A Vida, entrar no trem que nunca chegava, ser abraçado pelo mar na beira da praia, acabe por golpear a base da minha pilha de pedras? Então os pensamentos travam e imóvel permaneço, e sufoco (por motivos que aqui não cabem, que nem em mim cabem), o medo de que as cortinas caiam, o confete caia e as pedras caiam.
"Você já entrou no trem", ela diz.