4 de outubro de 2010

Então ela se sentou. Numa mão a bolsa velha e limpa de couro preto, na outra -o que carregava sempre para onde quer que fosse, quase sem querer- esse "então". Rara feito as pedras que pendurava nas orelhas, como se fosse impossível surgir do nada, sempre aparecia na cena como consequência de alguma coisa, carregando com orgulho leve esse "então", que, não importando quando e como entrasse numa cena, mostrava algo anterior à aparição da moça, talvez a vida inteira que teve antes chegar no aqui e agora, antes de, "então",  aparecer., por isso lhe eram alfinetados muitos olhares de inveja. Então ela se sentou o mais afastado possível de qualquer outro passageiro e cruzou as pernas embrulhadas em meias pretas rapidamente, tocando o pé livre na perna cujo pé firmava no chão, numa manobra olímpica, as pernas quase se abraçaram, e assim ficaram. E como se não bastasse as pernas enroladas, cruzou também os braços e crispou as mãos na bolsa, aborrecida com sabe-se-lá-o-que. O cabelo estava todo enrolado amarrado firmemente atrás da cabeça, e de repente era ela toda raiva, era feito uma cobra toda enrolada e pronta para dar o bote, com raiva nos olhos pintados e o corpo todo enrolado, evitando qualquer contato. A cara chateada desdenhando o mundo que corria à frente da janela, e o corpo acuado, pronta para dar o bote, o golpe mortal. Não houve bote, nunca.