29 de maio de 2011

Mais Uma Grande Noite de Choques Elétricos

Mais uma noite com o deleite delituoso atravessado na garganta. Menos uma. Os corpos cansados como em outros deleites delituosos, a saliva alterada, do fluxo ao gosto, tudo é mais ou menos alterado, como se uma doença se espalhasse por aí, uma bolha febril aumentando de tamanho e tomando tudo, tendo como centro o carro velho e enferrujado, atulhado de lixo valioso, uma besta enorme e veloz, correndo cheia de gente dentro, um grande estômago, e todos nós lá, digeridos, aprisionados, uma família de insetos esmagados juntos. Chamaríamos aquilo de Mais Uma Grande Noite De Choques Elétricos, nós sentíamos, entre nossos corpos apertados, alguma coisa grudenta e quente que mantinha todos unidos, talvez fosse o suor escorrendo da pele inflamada. Afinal de contas, não queríamos frescor nem limpeza, éramos todos uma família de bichos felizes enfiados numa toca, desejando com os punhos fechados que uma pedra fechasse a entrada para sempre, sem música, ouvindo o som borbulhante dos nossos estômagos afetados, tosse e  riso. No meio disso, no meio de pernas, freiadas, insultos e gargalhadas, meto o braço não sei aonde, feito uma cobra no lava-roupas. encontro sem querer outra cobra, no mesmo lava-roupas, roço sem querer minha mão nela, duas mãos sujas se encostando, "que extravagante!" eu penso. e elas vão seguindo o tempo, se beijando, recuando, meio dançando, meio fingindo que só passam, e então, o abraço. "Que extravagante!", e agora não tínhamos mais coragem de pensar em nos soltar, nem nos olhávamos, ambos tesos, feito dois tocos enterrados no estofamento do carro. Alguém grita "a gente tem muito medo de gritar, né?", e eu lembro que a gente tem medo de gritar, porque é impossível que alguém grite para sempre, e a Mais Uma Noite de Choques Elétricos não permite que se descanse.