28 de setembro de 2010

Está escrito o lembrete na pele, minha impossibilidade reafirmada com uma pena, e é uma pena também que a alma não se aquiete e insista em tentar qualquer coisa, tenta voar e pula alto, só pra cair e quebrar um osso, bicho burro. Se pudesse, alma escassa, afogada em saliva, te daria essa bússola que da pele e pensamento não me sai e diria "e agora, alma interesseira , para onde vai tentar voar?", então te explicaria, coitada, o quanto eu sou torto, me desculpe, alma orgulhosa, mas em mim não vai achar nada, desiste do seu garimpo. Nada, porque nasci por engano, só sirvo pra revirar o lixo do que me passa rápido pelos olhos, se pudesse, te libertaria, te deixaria dar teu grandessíssimo salto para cima, mas não posso, não que não queira, mas almas não são coisas que fogem facilmente, não são fáceis de despregar, não são como ideias, essas que nos aterrisam e decolam num menear de cabeça. Então te acalma, que se o tormento de me arrastar não passar durante a vida, dela não passa.

E com a certeza de minha nudez e impossibilidade, me engoli, te engoli e apontei o nariz pro mundo sem nem sequer ajustar o leme, e encarei apavorado minha miudez. Miudez sem igual, pois sou a menor coisa que eu conheço, sou um homem microbial, atômico, quem sabe. Tentei mil fórmulas pra me fazer um tanto maior, fiz manobras mortais, tomei xarope de bicho e de planta, vendi alguns pedaços meus e coisa-e-tal , mas desimportância, incompletude e poluição não são coisas que se curem, nem sei te dizer como se solta de nós isso tudo. Daqui mal me movi desde que nasci, devo ser um ovo, ainda, um ovo podre. Talvez lindo, mas podre. E essa doida que eu seguro com força não se aponta para lugar nenhum e nem tem norte, então só me arrisco em poucos passos trôpegos de vez em quando, pra qualquer lado e sem a maciez necessária para se mover qualquer coisa, e quando me mexo me arde a vergonha, a miudez e a culpa, em ordem contrária. A culpa antes porque não fui avisado se me mereço ou não, não passei por triagem, concurso ou seleção, posso com perfeição ter sido um engano ou vazamento, logo, não sei se sequer valho o lugar no qual caí, 
e qualquer movimento que fizer pode ser uma dívida impagável que faço com o mundo.