Quanto? Quanto de mim ficou preso nos espinhos, nas quinas, na areia e nas solas dos sapatos? Quantas pessoas deixaram em mim, sem dor, buracos no peito? Por que encher de lágrimas os buracos que com muito sofrimento e sem querer já fizemos uns nos outros?
Por te amar me fiz pequeno.
Por te querer me envergonhei.
Me lanço, sim, mais uma vez, nesse mar que me arrasta e me arrasta, sem costa, sem praia, sem terra, sem nada, e sorrateiro vou, por baixo, pelo meio das pernas(tranquilas?) enormes com pés enormes com dedos enormes com enorme saudade, rente ao solo, até alcançar um ponto limpo e livre de fumaça onde eu possa respirar sem tossir essa poeira que impregna o de fora e o de dentro, até conseguir por entre toda a poluição que me arde os olhos e o coração abrir uma fresta de ar fresco por onde eu vá me transportando levemente como uma linha numa agulha para o intangível, o inexprimível mas não mais intocável de-fora. E não me surpreende o quanto de mim encontro nesse lugar, o quanto de mim está no outro, o quanto de mim se localiza sempre no além. Sempre fui um ser no outro e do outro, sempre caminhei os caminhos dos outros, plantei nas terras dos outros e fui também sem vergonha, um outro em mim, e quando estive realmente em mim sempre olhei com estranheza, criança se olhando no espelho. Meu tempo também é dos outros, minha alegria, nos outros a acho, e minha paz, também nos outros. Tudo, talvez, por vergonha de estar completamente em mim. Que, por Deus, eu nunca encare de novo minha nudez, nunca vire para dentro meus olhos e mãos, mãos essas que espremeriam meu coração, que estapeariam o que de mais sagrado eu penso, mãos que se encharcariam de sangue, que respingaria em quem estivesse à minha volta, talvez quando eu estivesse no meio da rua, no meio da gente, do Sol, do fôlego. Por vergonha, me desculpe, mas ainda não.