3 de junho de 2015

  Mas como eu explico que somos todos a mesma coisa? A mesma substância sagrada transmutada do amor, do silêncio, da terra, do sal, do verbo, no improvável. Talvez eu seja mesmo algo dentro de algo dentro de algo dentro de algo lindíssimo e imortal, algo misterioso de precisão matemática, que me redima de toda vileza, imundície e desacerto que por tanto tempo mergulhei e por tão pouco, mas não sem mácula, atravessei sem coragem.
  Quanto? Quanto de mim ficou preso nos espinhos, nas quinas, na areia e nas solas dos sapatos? Quantas pessoas deixaram em mim, sem dor, buracos no peito? Por que encher de lágrimas os buracos que com muito sofrimento e sem querer já fizemos uns nos outros? 
  Por te amar me fiz pequeno.
  Por te querer me envergonhei.
  Me lanço, sim, mais uma vez, nesse mar que me arrasta e me arrasta, sem costa, sem praia, sem terra, sem nada, e sorrateiro vou, por baixo, pelo meio das pernas(tranquilas?) enormes com pés enormes com dedos enormes com enorme saudade, rente ao solo,  até alcançar um ponto limpo e livre de fumaça onde eu possa respirar sem tossir essa poeira que impregna o de fora e o de dentro, até conseguir por entre toda a poluição que me arde os olhos e o coração abrir uma fresta de ar fresco por onde eu vá me transportando levemente como uma linha numa agulha para o intangível, o inexprimível mas não mais intocável de-fora. E não me surpreende o quanto de mim encontro nesse lugar, o quanto de mim está no outro, o quanto de mim se localiza sempre no além. Sempre fui um ser no outro e do outro, sempre caminhei os caminhos dos outros, plantei nas terras dos outros e fui também sem vergonha, um outro em mim, e quando estive realmente em mim sempre olhei com estranheza, criança se olhando no espelho. Meu tempo também é dos outros, minha alegria, nos outros a acho, e minha paz, também nos outros. Tudo, talvez, por  vergonha de estar completamente em mim. Que, por Deus, eu nunca encare de novo minha nudez, nunca vire para dentro meus olhos e mãos, mãos essas que espremeriam meu coração, que estapeariam o que de mais sagrado eu penso, mãos que se encharcariam de sangue, que respingaria em quem estivesse à minha volta, talvez quando eu estivesse no meio da rua, no meio da gente, do Sol, do fôlego. Por vergonha, me desculpe, mas ainda não.