4 de julho de 2010

(Sem título)

Era dessas mulheres na meia-idade e tinha aquelas rugas começando a rachar seu rosto, gordura velha se acumulando nos quadris, pele amolecendo em todo corpo. Ela era uma mulher lindíssima. Foi sem aviso prévio, essas coisas extremamente lentas costumam acontecer assim de repente, bum!

Havia uma samambaia velhíssima e muito saudável na janela da sala, ela odiava plantas, mas uma amiga uma vez a ensinou algo importante sobre samambaias e proteção espiritual, ela esqueceu o que era, mas por respeito cuidava da planta sempre que se lembrava. A samambaia estava tão jovem quanto há anos atrás, e para se ferir ela cuidava da planta sempre que se lembrava.

Sua irmã a odiava e era psicóloga, há um "por isso" não assumido ali no meio. O fato é que a mulher conseguia sua felicidade pela irmã. 30 comprimidos de felicidade a cada duas semanas. Era bom enquanto durava, geralmente 3 ou 4 horas de honestidade química e de dez a doze de discrição química, ela era uma viciada. "Acordar" já não é uma coisa pra qual ela ache as arestas, aliás, há muito ela já não sentia as arestas das coisas, tudo se tornou musical demais e fumacento demais. Mais musical que fumacento, na verdade. Ela sempre foi musical demais, era dessas mulheres que aos fins de semana se sentava no chão da sala com os amigos para falar de amor e remexer poeirentos discos velhos, mas depois que começou a engolir aqueles comprimidos a música toda foi expelida para o resto do mundo e ela ficou vazia. Ela dizia assim "expelida" pela maciez com que tudo aconteceu, sempre rápido, claro, mas bem leve, a música saiu dela como quem escorrega rápido no gelo.

Teria amado? Não tinha certeza. Se isso aconteceu passou rápido demais para ela sentir, pois tinha se tornado tão veloz ao sentir que só mantinha contato real com o que fosse em essência lento. Sabe-se que ela foi amada, e ousa dizer que é muito amada por todos, pelo menos por três ou quatro horas diárias com mais clareza e de dez a doze horas mais leves, até o amor ir passando rapidíssimo e visivelmente constrangido.

"Eu quero viver com toda a velocidade" escreveu na porta da geladeira, na época em que ganhou da amiga a samambaia, era um lembrete maravilhoso. Hoje ela tenta mais uma vez apagar cada palavra, dessa vez com bombril seco. Conseguiu.