7 de julho de 2010

A cauda

E depois de tudo, quer dizer, de nada, ainda me atrevo a vir aqui cuspir minha existência e deixar essa marca cancerosa. Mas é assim que eu aconteço, tenho essa vontade intransponível (é assim mesmo, eu sou desses que são um obstáculo para si mesmos) de deixar alguma coisa, um vestígio, dizer que "eu passei ali e que senti aquilo" nem que isso cause desgraça a alguém. Se chama egoísmo.

E é claro que eu deixei o conforto quente da insignificância deliberada para a coragem de causar dor aos outros sem querer querendo e então agora sou o mascote, aquele bicho esquisito torto que acompanha todos os personagens principais, os atores, eu sou quase platéia, quase parte do cenário. Que fique claro que essa transição foi quase imperceptível, e que se eu tivesse percebido que começaria a causar dor aos outros e logo depois a ser um peso -membro morto pendurado- carregado por elas eu preferia ter ido embora de todos os lugares.

Mas o problema agora é como regredir, como voltar, sou criança que perdeu a pureza? Era pra ser assim e pronto? Ponto? Eu não devia estar aqui, e tenho a impressão que eu não deveria estar em lugar nenhum. Só sei que quando se vive com gigantes você acaba sendo pisoteado, vou para o mundo ter certeza que lugar nenhum é o meu lugar. Estou saturado. Cansado? Pisoteado? Humilhado? Estou humilhado, é isso. Bobo idiota humilhado e apedrejado pelas pessoas no meio da praça sem que elas percebam. Sem que elas nem ao menos percebam, meu deus, e é tudo culpa minha. Eu não pedi pra vir pra cá, era pra eu estar muito longe a essa hora, mas me arrastaram, eu devo ter uma lente gigante sobre a minha cabeça, as pessoas me vêem maior, criança pequena no puteiro.

Agora é ter paciência, minha vida é isso, caminhar me dizendo "dê só mais um passo, você consegue", e quando dou o passo, cambaleio e me digo isso de novo, talvez eu já tenha caído e nem sequer percebi. Agora é ter paciência comigo mesmo e caminhar nas pegadas dos outros, ser cauda, a sombra e o vazamento, e olhar o queixo e a paisagem enquanto converso e engolir o choro numa careta instantânea. Se eu pudesse dar mais espaço à essa careta ela gritaria "Não me olhe assim grande, seu burro!", talvez não com essas palavras, talvez mais rude e sincera e clara, e linda. Agora é ter paciência comigo.