19 de julho de 2010

  Já levantou da cama com dor de cabeça. Duas horas de sono, 10 minutos de atraso, 10 anos de desistência ou esforço, sei lá. O dia seria péssimo porque a noite foi péssima porque o dia anterior foi péssimo e o anterior a ele também, tomou banho sem molhar a cabeça, não comeu nada, escovou os dentes e se vestiu em menos de dez minutos, assim ganharia mais dez para fazer sei-lá-o-que. Se olhou no espelho e chorou por cinco minutos, tentou chorar mais um pouco mas não conseguiu, então foi para a estação de metrô. Subiu no vagão, sempre soube que durante a vida todos passamos por mais sofrimento que qualquer outra coisa, talvez viver seja até simplesmente sofrer, mas sempre quis ser daqueles animais que quando em perigo se debatem, correm, se jogam no chão, berram, urram, choram e mordem tudo com força. Se segurou com uma mão na barra de ferro lisa e se distraiu com o cheiro sufocante de loções-pós barba, perfumes, xampuss e sabonetes, tudo misturado, tudo sufocante, e o metrô embaixo da terra...chorou uma lágrima tentando permanecer com uma expressão firme de rei chorando, a lágrima parou logo embaixo da bolsa que tinha embaixo do olho. Colocou a mão direita no bolso e apertou com força algumas moedas sebosas, queria estar se debatendo, mordendo tudo, se ferindo, mas não, era desses animais que quando feridos por muito tempo desabam nessa fúria sem direção, nesse estado de graça onde batemos mãos e pés na água tentando nos manter flutuando acima de tudo, sobre a dor, sobre o dia, sobre tudo mesmo. Estava preso com uma horda de rostos mal-dormidos, emburrados, catatônicos ou dormindo com a cabeça no vidro frio, todos enfiados numa lata de metal enterrada sob a terra, o inferno. Enfiou o par de fones nos ouvidos e aumentou o volume no máximo, apertou play e a última música tocada continuou: "Will say that was just another time, one day you will put it all behind, will say that was just another day...". Desligou e forçou mais uma lágrima pra marcar o início de qualquer coisa que dói. As mãos vermelhas apertando com força o metal escorregadio, seria só isso a sua fúria? Apertar alguma coisa na mão com força? Ele não era nem gado, nem suspiro, soltou sem querer um "eu sou a minha consequência", olhares estranhos pra ele ou pra consequência dele. É de se entender, é assustador ouvir um homem de repente falar "eu sou minha consequência", e se alguém desse ouvidos, se assustaria no próximo passo. Preso, preso no metrô, preso na escada rolante quase parada, preso no trabalho, a barriga roncando e os olhos caindo, passou o dia chorando e ninguém notou porque chorou devagar, uma lágrima solta de vez em quando, como pra se oxigenar, se chorasse tudo de uma só vez pode ser que morresse sufocado.maldita cautela... Devagar, por horas, sem sobressaltos ou respiro ou respingo ou parto, um peixinho morrendo calmo no aquário. "E nunca morro" "E nunca me solto" "E nunca me debato". Nesse momento sentiu os choros mal chorados de muito tempo apertando a garganta, seria essa a hora berrar? O rosto já estava vermelho e molhado, o choro queria vir como vômito, espírito nauseado, envenenado por anos, quanto tempo vai sobreviver? Há mesmo um fim? A represa rompe mesmo, num colapso irreparável? Seria bom. Seria ótimo, excelente. "Vou tomar um café".