13 de julho de 2010

Do Ensurdecimento Próprio- Parte 1

Um deserto vermelho e totalmente plano, sem dunas, mas grandes pedras afastadas por quilômetros, algumas gigantescas, do tamanho de prédios, e aquele vento gelado e fortíssimo e intenso, como se uma tempestade estivesse sempre chegando, e digo isso porque ela nunca chegou. Eu caminhei por dias atravessando esse vento gelado, meus pés doem e eu caminhei sem parar por muito tempo, escrevo agora embaixo de uma pedra estranha e linda, enorme. A pedra é bem vermelha e áspera como cimento, é como se uma grande quadra de cimento avermelhado estivesse afundando nessa terra seca. A propósito, tenho percebido algumas pedras como enormes construções naufragando nesse mar vermelho imenso.

Me esqueci em que dia cheguei aqui e não sei como isso aconteceu, e também não sei quantos dias se passaram, pois a iluminação natural está estranha, o pôr e o nascer do sol duram muito, são as horas mais lindas, esalar alguma pedra bem alta da altura de um pr´dio de 10 andares e assistir o sol se pondo por horas,  uma meia-lua de boca pra baixo, beijando o chão lá longe e deixando tudo num ferrugem ainda mais intenso. Tenho na mochila duas carteiras de cigarros, a caneta com a qual escrevo agora, meu caderno, livros, dinheiro, um isqueiro e outras insignificâncias, escrevo isso para ter certeza que estes objetos não sumirão nem outros aparecerão aqui, ou esse lugar é estranhíssimo ou eu estou enlouquecendo. Tenho vivido essas horas(dias) num constante estado de fúria, estou cheio de adrenalina esse tempo todo e tive diversas epifanias, lembro vagamente de ter até comido umas três pedrinhas minúsculas, e pela minha memória elas tem um gosto meio ferruginoso, como sangue. Passei algumas horas correndo tentando fazer uma linha reta até chegar aqui, no percurso eu horei muito e pulei e gritei e chutei o chão e tive algumas epifanias fantásticas e outras estúpidas que só foram fantásticas no momento. Ainda não dormi e nem quero, o vento é forte e quando passa pelas rochas faz diferentes sons que dependem de onde eu estou, assobios, sussurrros, escarros e cães arranhando a porta.

Quando acendo um cigarro me sinto fantástico, sou um homem comendo fogo, comendo fogo! Quando ando e corro ou faço qualquer coisa sou um homem fantástico, em breve estarei louco, por isso comecei a escrever, talvez isso me sirva de ponto de referência para o tempo e para o que se passa comigo. Este lugar se parece mais com um sonho, lembro que sempre que pensava em amizade, me imaginava num deserto frio e acompanhado de pessoas. Talvez eu esteja em algum tipo de sonho longo e espiritual, estou sozinho e não me sinto sozinho e não sinto nada errado em nada. Há certa sincronia em tudo isso, às vezes o vento é enfrentado por esses grandes pássaros pretos de canto estranho que andam em pequenos grupos, e é tudo muito bonito e simples e surreal. Paro por enquanto aqui pois a noite é curtíssima e é difícil adormecer com o sol cozinhando a cabeça. (28/07/2009)