1 de julho de 2010

Carta

Amada Marta,

Tudo bem com você? Como está lidando com meu sumiço repentino? Espero que você esteja bem, pois sei da terrível desinteria que você tem quando fica nervosa. Bem, eu poderia ter te telefonado para me explicar, mas imaginei que dizer tudo numa carta aumentaria o efeito dramático, além disso eu esqueci meu celular em casa na pressa da fuga e não faço idéia de como se usa um orelhão. Mas isso não importa, vou parar de ficar te cercando feito uma jaguatirica e pular logo na sua jugular.

Bem, imagino o choque que deve ter sido para você eu sumir assim de repente, visto que nesses nossos 5 anos de casados a maior surpresa que eu fiz foi trocar as cortinas do quarto de azul ardósia claro para vermelho violeta claro, ficou péssimo, a propósito.

Você é linda, Marta, eu amo suas gordurinhas discretas no quadril, seus olhos pequenos e adoro ouvir você ronronando enquanto dorme. Verdade, Marta, você ronrona enquanto dorme, e eu nunca te disso antes porque não queria que você se preocupasse, achando ter algum tipo raro de tuberculose ou algo do tipo. E principalmente, porque eu só conseguia dormir depois que você começava a ronronar, e eu não queria ter insônia. Martha, acho bom você ir a um médico, isso pode ser grave. Eu te amo como quem respira.

Martha, um dia você me disse que os melhores amores são os tranquilos, os calmos, os lentos, e no mesmo dia disse que adora minha tranquilidade bovina. Eu recebi como um elogio, mas achei uma filhadaputagem você dizer isso de mim. Eu sempre quis ser o rápido, o aventureiro, o delirante, você sabe disso. Sou tranquilo porque o mundo me comprime, eu sempre acreditei na velocidade das coisas, sempre te disse que tudo tem que ser rápido (na verdade não disse, mas mostrei várias vezes, principalmente enquanto transávamos) e indolor. Correr, é isso que eu queria: Correr todos os dias para o trabalho, correr pra você, correr em você à noite.

Você é uma esposa maravilhosa, tive sorte. Mas eu queria algo mais rápido, eu não quero um forno elétrio, quero um fogão a gás, Marta! E fui procurar meu fogão à gás. Eu traí você por um ano, com a Helena, aquela magrinha que se veste feito uma puta lá no trabalho. Ela foi meu fogão a gás, nós saíamos sempre, sempre para lugares diferentes, era criativíssima na cama então nós decidimos ir embora juntos, foi quando eu saí de casa, semana passada.

Martha, estou há uma semana com ela e foi um desastre até aqui. Ela ronca, Martha! Eu imaginei que ela não ronronasse, e que por isso eu não dormiria por um tempo, mas depois me acostumaria. Mas a Helena ronca, é terrível dormir com o joelho preparado para golpeá-la nas costas. Além disso ela é feia. Aquele rosto bonito é uma máscara de pós e tintas estranhas que ela constrói todos os dias ao acordar. Mas eu queria ser um fogão a gás, esse tipo de fogão não se importa com isso, pois a alma queimando sobressai qualquer coisa. Marta, a Helena me traiu com um cabeleireiro, eu sempre achei que fossem todos gays, mas ela achou um hetero e está dando para ele, eu descobri quando vi ela estragando o cabelo de propósito. Marta, a Helena é intensa, qualquer um que ofereça uma vida mais emocionante a ela ganha seu coração e seu corpo. Acho muito bonito, mas não consigo viver nesse eterno êxtase espiritual, eu sou bovino, infelizmente.

Eu estou num motel à beira de alguma estrada desconhecida, nós não olhamos placas, queríamos ir para onde o destino nos levasse, queimamos o meu carro para ficarmos livres. Estou num lugar desconhecido e sem carro. Está péssimo.

Gostaria que você desse um jeito de vir me buscar, o nome do hotel é "La Roza del Mar", isso mesmo, "roza", com zê. Escolhemos um hotel com nome em espanhol por ser mais sensual, e "a rosa do mar" soa bonito, se nos esforçarmos conseguimos achar um ótimo signifiado existencial, você sente isso, meu bem?

Eu sei que você vai me perdoar, pois já fiz coisas do tipo algumas outras vezes, como quando decidi comprar uma kombi e viajar pelo litoral do Brasil, uma pena que a kombi tenha quebrado e que o litoral não seja assim tão bonito, foi um tédio. Tem também o dia que instalei espelhos nas paredes e no teto do nosso quarto, pra quando estivéssemos fazendo amor nos vermos por vários ângulos, eu imaginei que seria uma experiência visual(espiritual?) interessante, polidimensional, redentora. Não foi. Eu tive náuseas e você, vertigens.

Martha, quando vier, traga camisas limpas e venha sem maquiagem, como sempre. Você é linda, sempre foi. Venha rápido. Se prepare para a próxima loucura minha, venho pensando em comprarmos um barco e atravessarmos o atlântico. Deve ser interessante, deve ser único, poétio, artístico, deve ser como um forno a gás. Não sei se sairei ileso da meia-idade, mas tenho você.

Inevitavelmente velho, chato, sem graça e com uma linda mulher que ronrona enquanto dorme,

Claúdio.


PS: Como eu queimei o carro, você deve vir de ônibus, saia cedo, pois deve chegar aqui antes da diária do hotel acabar.