E então, depois de tanto tentar, tento não conseguir, não me
atravancar no meio das palavras, das coisas, do fôlego. Eu não sou o grande
olho do mundo, eu não sou o bicho sangrando correndo no mato. Miserável, eu
corro, mas não bicho, não planta, não pedra, não no lugar certo, eu sou o meu
futuro escuro que espreita à janela, à beira do abismo, na água, afogado,
liberto, sempre. Me desfiz há muito tempo e não me refiz a tempo, um tapete
desmanchando cruelmente na beira até o fim. Mas que fim? Nada tem fim, sou
infinito, eterno, não sou uma coisa separada das outras, belo. Sou parco, mas
não triste. Ínfimo, mas enorme. Não há o que ganhar, no fim não há nada, não há
fim, não há nada. Comecei a considerar sagrada a desordem do meu espírito, eu
sou o berro do mundo tentando se ouvir, inteiro, mas pingando de pouco em
pouco, escorrendo, minguando, morrendo mais um pouco a cada olhar torto, a cada
troco pobre.
Ter o dia em mim, e mesmo assim o terror de acordar e ter que respirar e falar e amar e contar e estar presente. Estou farto de me forçar a viver, nada mais é leve, reto, solto. Tudo é trava e corte e ferida e feiúra. Mas tem-se que viver, então vive-se, andando, abraçando, bom dia, comendo, beijando o corpo nu da luz amarelada dos postes à noite, sem ter o que dizer, mas tendo que dizer tudo de uma vez, um grito, mas não de socorro.
Ter o dia em mim, e mesmo assim o terror de acordar e ter que respirar e falar e amar e contar e estar presente. Estou farto de me forçar a viver, nada mais é leve, reto, solto. Tudo é trava e corte e ferida e feiúra. Mas tem-se que viver, então vive-se, andando, abraçando, bom dia, comendo, beijando o corpo nu da luz amarelada dos postes à noite, sem ter o que dizer, mas tendo que dizer tudo de uma vez, um grito, mas não de socorro.