13 de julho de 2011

SSS

Sim, sou, somos todos e foram todos o resultado de uma sucessão de acidentes, somos o fruto de milhões de tropeços e nada muda até acidentalmente morrermos e sem querer virarmos chuva, terra, formigas e árvores. Não há o que se fazer quanto a isso, quanto a nada. Apavoradamente, com medo de ser descuidado olho pra baixo, metros para baixo, e sinto a imensa coluna de ar que há entre mim e o chão, acidentalmente duro. "Sou desesperado" penso, e digo que sou engraçado. Sou os dois ao mesmo, e sou também magro, melancólico, irresponsável, medroso e corajoso, tudo sem querer. Foi sem querer que não li aquele livro, foi um acidente eu não gostar de música, não comer direito e não ter feito aulas de piano, não foi por culpa minha que aquela menina lindíssima me odiou, sou desesperado. Me algemei, confesso,  a tal ponto que se pudesse viveria em uma concha, sedado, encolhido quentinho num sono sem sonhos. Mas, e não é por culpa de ninguém, nunca estarei quentinho, sedado flutuando num sono sem sonhos. Assustador a ponto de eu não querer fazer aulas de piano, e nem de coisa nenhuma. Todo dia é último de uma sequência de dias que vivi por acidente, dias quentes e ácidos, assustadores. Arrastei esses dias para a cozinha e os explodi com dinamites, me esfreguei nesses dias e feito um velho moribundo, me enforquei no chuveiro sem companhia, ou com a companhia que apareceu. Esqueci. Ando muito esquecido, tudo já passou e deixou só uma poeira estranha suspensa que faz minha pele coçar. A coluna de ar à minha frente, uma língua imensa descendo da minha boca até o chão, atravesso ou não? Caso o faça, não será culpa minha mesmo.