10 de julho de 2010

Jogou as cartas no chão, expulsou os amigos de casa, tirou o cigarro da mão e largou o copo na mesa. Porque causar tanta dor repentina, tanto sofrimento inesperado, fazer todos levarem um tapa sem aviso prévio? Porque ele precisava disso, qualquer bicho grande quando se afoga por muito tempo fica parado afundando, e de repente, pra surpresa de tudo, uma pata se mexendo, um pé empurrando a água. O bicho não se salva, mas esses movimentos antes de morrer são de uma grande profundidade. Estaria o homem assim, esperando a morte? Seria toda essa rebeldia instantânea só uma pata se mexendo? Chorou na casa agora vazia e sem música. "Eu não estou morrendo!" gritou triste pro vento, "só estou um pouco cansado, amanhã vou estar bem de novo", essa segunda frase dita só para concluir o raciocínio verbal e não ficar aquela coisa incompleta, não queria parecer louco pra si mesmo. Dormiu no chão da sala para que a fúria ficasse mais óbvia, no outro dia estaria tudo bem, se desculparia com todos e os convidaria para visitá-lo, encheria os copos, limparia os cinzeiros e voltaria a afundar.