29 de junho de 2010

Das Madrugadas Cotidianas

As madrugadas atraem os desesperados como a chama de uma vela atrai mariposas. Essas são as horas dos loucos, dos perdidos e desajustados, alguns aproveitam o silêncio para ouvir mais humildemente o próprio choro, outros saem pelas ruas em jornadas inúteis por si mesmos e pela felicidade e todos se mantém alertas por um único motivo: À noite a nossa solidão se desavergonha e ultrapassa nossa pele, ela se ergue à nossa frente e nos olha nos olhos. Nessas horas tranquilas a solidão não é só um sentimento ou sensação, se torna quase matéria tangível, como poeira fina caindo sobre todas as coisas.

Toda tranquilidade esconde em si um desespero ainda maior e mais verdadeiro. Apesar de toda essa tranquilidade desse período do dia, apesar dessas 3 ou 4 horas de cessar-fogo existencial usarem máscaras benevolentes, as madrugadas são enormes catalisadores de sentimentos e sensações. O amor é mais amor, o ódio mais ódio, e o desespero ainda mais sólido. Nos permitimos chorar alto da mesma forma que nos permitimos sair na varanda de cuecas e pantufas.

Se você estiver um uma cidade de madrugada e fizer silêncio total, ficando atento a qualquer som, é possível ouvir o som que todas as cidades fazem, um som contínuo e quase metálico, como um como um coração subterrâneo gigantesco abaixo de nossos pés. O som em nada se parece com batimentos cardíacos, soa mais como um enorme motor funcionando ininterruptamente e alimentando os sonhos dos que dormem.

Às vezes nos sentimos sozinhos mesmo enquanto estamos sendo esmagados por uma multidão, mas quando se está respirando a solidão, sem um ser humano alerta em 1 ou 2 quilômetros de nós, a solidão pesa demais. A dor da solidão nunca foi maior que a dor constante que sempre dói, essa que nos impede de dormir e que nos impede de acordar de manhã e dizer para nós mesmos: O dia de hoje pode ser maravilhoso. O dia de hoje não vai ser maravilhoso, nem o de amanhã, nem o de depois de amanhã.
Pra falar a verdade, se você continuar entorpecido por essa dor, nenhum dia vai ser maravilhoso nunca mais, e você nunca vai fazer parte dessa máquina gigante da qual todas as pessoas são uma engrenagem, dormindo e girando, felizes.

Mas nós não temos opção, quando não se tem nada até a dor serve de apoio para os pés, para pararmos de cair entorpecidos, até não ser ninguém de repente se torna ser alguma coisa, e nessa máquina maldita, nós não somos ninguém. Nós somos engrenagens girando sozinhas, sem fazer parte de alguma máquina que possivelmente tem alguma utilidade. Nós somos engrenagens frias girando sozinhas em eixos frouxos, e enquanto todos dormem girando a máquina, nós giramos silenciosos sem sermos percebidos, antes de amanhecer e nós nos arrastarmos para mais um dia longo e difícil.

Se pudéssemos escolher um horário para cada categoria de pessoas, essas horas inertes e impuras seriam as nossas, as horas dos loucos e insatisfeitos. Isso, somos ovelhas loucas e sozinhas, desgarradas do bando. Com loucos olhos chorando sem ninguém ouvir, patas loucas caminhando para qualquer lugar e um duvidoso coração orgânico batendo sem sentido e igualmente louco no peito.

Sempre é mais fácil chorar na madrugada, os pensamentos se aceleram, o sofrimento se torna agudo e as lágrimas quase explodem como estalinhos. Sim, nós somos um motor funcionando triste e barulhento no meio da noite, um motor de geladeira fazendo seu papel inútil enquanto todos dormem.

Não importa se somos ovelhas loucas, engrenagens frias ou motores trabalhando no silêncio do sono, além da dor que sempre dói nós sempre teremos o abraço frio e o ar fino de uma madrugada, talvez encontremos outra ovelha chorando pelas ruas, existem muitas por aí. Talvez se encontrarmos outra engrenagem fria e frouxa poderemos encaixar os nossos dentes nos dela, fazendo assim uma pequena estrutura mecânica um pouco mais firme, e o melhor, talvez isso gere calor!
A todas as abandonadas ovelhas loucas chorando por aí com olhos loucos, cansados sem poderem dormir, façam um pouco de silêncio, parem de chorar e de gritar para si mesmas, ouçam além do grande coração mecânico de uma cidade enquanto dorme, se você se atentar, se apurar os ouvidos, talvez possa ouvir algum outro desgarrado, para que, de longe, chorem juntos. (11 de março de 2010)